A Pedagogia da Presença é uma poderosa ferramenta de qualificação das relações humanas. A Presença da Pedagogia é a vivência dessa ferramenta como uma ética de acolhimento, respeito e amor para com as pessoas.
Quando eu era adolescente, tinha muita dificuldade nos estudos e também dava muito trabalho. Frequentemente, os professores me chamavam a atenção. Minha caderneta tinha nítida alternância de notas azuis e vermelhas. Cheguei a repetir a 5ª e a 6ª séries.
Daquela época, guardei uma carta que o Antonio me enviou, pois eu morava com nossos pais e demais irmãos em Belo Horizonte; e ele, em Ouro Preto/MG. Uma frase em especial nunca saiu da minha mente e tocou profundamente o meu coração. Antonio escrevia: “Maior do que a sua capacidade de errar é a minha capacidade de te amar”. Isso se chama aceitação incondicional, um dos poderosos ingredientes da Pedagogia da Presença! Acredite: a partir daquele ano, não fui mais reprovado; e a semente de minha construtiva ressignificação diante da vida estava lançada.
Convivi com o meu irmão ao longo de quarenta e quatro anos. Tive também a oportunidade e a honra de aprender e crescer muito com ele durante duas décadas de trabalho. Juntos, realizamos centenas de atividades formativas em todo o país no campo do desenvolvimento social e da ação educativa. Publicamos, também, alguns livros em parceria.
Certa vez, em uma capacitação para educadores que trabalhavam com adolescentes em conflito com a lei, Antonio citou um caso que fazia parte da sua Aventura Pedagógica, título de uma das suas mais belas publicações, que, de modo sucinto, passo a compartilhar.
A de uma adolescente que levou um tiro de raspão. Um educador a orientava a respeito dos cuidados básicos dos quais ela não poderia abrir mão em termos de medicamentos e higienização. Algo estranho, porém, passou a ocorrer: quando o machucado da menina começava a cicatrizar, e ela ia ter novo contato com o educador, era constatado que o ferimento piorava novamente. O que estava por traz disso? Ela enfiava as unhas no local atingido e, simplesmente, não deixava a cicatrização se concretizar plenamente, acreditando que a única forma de manter um vínculo mais estreito e forte com aquele educador seria tendo algo para chamar a sua atenção.
Destaco a relevância da sensibilidade na Pedagogia da Presença para que o educador possa captar as mensagens que os adolescentes transmitem sem querer e falam sem dizer.
Em outra ocasião, estávamos dando um curso de formação de formadores na Bahia. Com a maestria de sempre – genial, serena e simples, que lhe era peculiar – Antonio trouxe mais uma de suas vivências com as meninas da Escola Febem Barão de Camargos em Ouro Preto. Ele problematizou com elas a questão “O que mais a incomodou ou incomoda?” As respostas e os comentários eram diversos, mas guardavam em comum o “luto interior” e a profunda dor daquelas jovens: “Eu já fiquei menstruada na rua e tive que usar jornal”, afirmava uma delas. “Uma vez eu estava olhando a vitrine de uma galeria comercial e aí vieram dois homens grandes e me botaram pra correr. Juro que eu não tinha a intenção de aprontar”, desabafava outra menina.
Os depoimentos foram muitos, mas um, especialmente, tocou mais intensamente o sensível coração de meu irmão. Uma menina relatou: “Quando eu estava nas ruas, eu via que, quando dava 06:00 horas da tarde, o movimento das pessoas aumentava no centro da cidade. Eu sabia que muitas delas estavam saindo do trabalho e indo para as suas casas. O que era mais difícil para mim, na verdade, não era nem o fato de não ter uma casa ou um trabalho. O que mais me doía era saber que em nenhum lugar não tinha ninguém me esperando”. Nesse instante, ao ouvir esse depoimento, Antonio Carlos teve o insight fantástico! Afirmou que viveu uma forte e irreprimível chamada interior para fazer a concepção da Pedagogia da Presença.
O depoimento dessa menina, dentre muitas outras coisas, nos ensina que, para se compreender e se aceitar, as pessoas precisam ser compreendidas e aceitas por alguém. É como o Antonio costumava citar “Nem só de pão vive o homem”. Lembre-se: o educando muda porque é compreendido e aceito, e não é compreendido e aceito porque muda.
Embora existam pessoas que duvidarão do que escreverei nas próximas linhas, não posso me furtar ao registro deste testemunho. O livro Pedagogia da Presença – Da Solidão ao Encontro foi sistematizado em DOIS DIAS. É isso mesmo! Antonio Carlos me pegou bem cedinho em casa, num sábado, para trabalhar. Fomos para uma sala que ele reservou na Inspetoria Dom Bosco, em Belo Horizonte. Trabalhamos exaustivamente durante muitas horas, inclusive à noite. Antonio escrevia e eu datilografava. O que mais me impressionava era o fato de que o livro já estava pronto na cabeça dele, como uma proposta que já vinha sendo maturada em seu espírito há muito tempo.
No dia seguinte, domingo, repetimos a dose. Já havíamos entrado a noite novamente e, no final, ele sorria com muitas olheiras, mas com um brilho singular nos olhos: um de seus sonhos tinha virado realidade. Estava concebida a sua nova Obra, fruto do processo de pensar a prática e praticar o pensamento. Muito do que sou hoje como pessoa, cidadão e profissional devo à convivência e à oportunidade de ter trabalhado com o Antonio Carlos, aprendendo, crescendo e realizando tanta coisa boa.
É difícil, muito difícil mesmo, falar do seu legado. Eu me limito a dizer que fui forte e singularmente influenciado pela Pedagogia da Presença. Meu irmão costumava dizer: “Eu não tive filhos biológicos, mas quero deixar muitos filhos pedagógicos”. Nutro a certeza de que, assim como eu, existem milhares de filhos pedagógicos daquele pai excepcional, espalhados pelo Brasil e o mundo. Por isso mesmo, com muita gratidão e lucidez, procuro viver e compartilhar o seu legado, a sua maior e melhor herança: a Presença da Pedagogia, recheada de exemplos, conhecimentos, valores, princípios e crenças!
Finalizando esse pequeno artigo, repasso a palavra ao meu querido irmão: “Quem nunca sentiu, em algum momento de sua vida, a presença de quem estava longe e a ausência de que estava perto?” (Antonio Carlos Gomes da Costa – in memorian).
Alfredo Gomes